parecia mais uma alucinação - que é que um downer não faz com você - é o que dá ir pra rua na hora do rush depois da overdose diária - não tinha dúvida, debaixo da pesada maquiagem, daquela ridícula, óbvia caratonha de palhaço arrelia, estava o canalha, o mendigo-fake que me deu o cano; era bagulho malhado. me passou pra trás o analfabeto. sou o cara, tá sabendo? to quase faturando um canudo na faculdade. não vou deixar barato. jogar o carro em cima, esmagá-lo como um inseto, não dava, me arrastava, mal engatava a primeira e parava de novo, isso há duas horas. no momento em que fosse abordado pelo otário, sacaria minha escopeta com silenciador. abaixar o vidro blindado, apenas dois dedos, estourar sua cabeça seria gratificante. mas, com certeza, uma roubada. podia ver o corpo de um idiota vestindo calça estampada com bolas pretas, a cabeça esfacelada, sangue e miolos escorrendo na carroceria do meu possante. seria enquadrado na hora. o ódio geral ao falso pedinte de sinal de trânsito seria, estupidamente convertido em peninha e revolta, meros pretextos pra mais um linchamento espontâneo. vamos arrebentar o infeliz que cometeu essa barbaridade. arranca ele do carro, amarra no poste. não, primeiro chuta no saco, todo mundo, pra depois a gente acabar com ele. já tinha visto, ou melhor participado de um justiçamento desses. foi legal, o babaca merecia. enfim, com a cara a dois centímetros do cano serrado de um fuzil o trouxa não é de nada. na hora resolveria o que fazer, se ia ficar só no susto mesmo. deixar o palhaço se mijando pra trás. mas, fudeu. o fedepê foi mais rápido; me injetou alguma porra forte na mão. afinal quem não anda armado em sampa? e tomou conta da situação. rabisco essa mensagem numa caixa de papelão rasgada. to numa numa espécie de jaula de circo mambembe de periferia. dessas de tela de galinheiro, feita pra caça miúda. caiu a primeira tromba d'água do verão. em volta mais parece uma arca de noé, fazendo água, indo a pique. downer mais anfetamina dá nisso. perdi, to com as horas contadas. falta pouco pra execução. estão negociando a minha hummer blindada lá fora. nas outras jaulas vejo bichos estranhos. um unicórnio cobre uma bezerra de ouro, todas as fêmeas estão no cio. mugem, uivam, ladram, gemem por seus machos. na minha gaiola acaba de entrar uma sereia loura, com os peitos de fora. é! e com escamas no rabo e tudo ladeada por um anjo do inferno. explico; é um desses hell angels todo paramentado em couro negro, lustroso, em cima da harley davidson, é claro. o incrível é que tudo rolou normal como era antes, depois do forte estrondo e o clarão que me cegou. também, pra que cabeça; olhos, mandíbula e dentes? te escrevo de outra dimensão. há vida após a morte. tenho dito.
igor k marques
10.02.2012