quinta-feira, 26 de maio de 2011

eu vivo dentro . eu morro fora


eu vivo dentro . eu morro fora

como gente . como parto

eu nasço

e vivo

parte dentro dela . parte dentro d’água

eu gozo . deliro

parte dentro dela . parte fora d’água

exausto . inerte

parte fora d’água . parte fora dela

eu morro

como peixe fora d’água

igor k marques

1986/maio/2011

quinta-feira, 19 de maio de 2011

"o que faz o poeta?" (I) & ‎"POR QUE VOCÊ FAZ CINEMA?"


  o que faz o poeta? (I)

- você é poeta?
- sou
- mas o que faz
  o poeta?
- o poeta desconforta os

  inconsoláveis       
  desacomoda os acomodados
  discreto demolidor de alardeadas

  reputações
  um remendo a cada vacilo moral
  reduzidas a cacos colados
  de uma "estranha xícara"*



Cerâmica

Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xícara.
Sem uso,
ela nos espia do aparador.

Carlos Drummond de Andrade

    • ‎"sem uso, ela nos espia do aparador"*

      me encara com a indiferença enigmática do felino
    • me desafia com a demanda mítica da esfinge
      e por pura covardia
      ou medíocre omissão
    • me abstenho
    • me ausento 
      evito decifrá-la

      igor k marques
      11 de maio/2011

    • (A Carlos Drummond & Joaquim Pedro de Andrade)
      *excertos de "Cerâmica", de Carlos Drummond de Andrade.


    • Joaquim Pedro de Andrade responde in:
      "pourquoi filmez vous?, entrevistado
      pelo jornal "LIbération" (Paris, maio de 1987)

    • "POR QUE VOCÊ FAZ CINEMA"?

a letra em amarelo vivo

projeta a sombra

matérica

pictórica

sedimentada sobre o suporte

o flanco putrefato
de um cadáver de cão
escancarado sob o sol a pino
(morrer é um assunto de foro íntimo)

o ritual de pintar

um S, um O, um M,

um B, um R & um A

o artista

(ou sacerdote?)

mergulha seis vezes
o pincel na tinta
para depositá-la

letra por letra

lama sobre a pele

a sombra sublima o grotesco

de um corpo em decomposição

o couro duplamente marcado
exibe sua explícita morte gris
quase obscena & quase sagrada



Igor K Marques
12 de maio/2011

para não esquecer o que urge


 para não esquecer
o que urge
logo abaixo dos pés
o vôo cego é mais seguro
do que embalsamar-se
ingênuas deidades
em grandes pirâmides
intoxicadas de poder
na aparente solidez
de pedra sobre pedra
levantada na cadência da chibata 
do tirano sobre as costas do escravo
faráos e césares ególatras
deliram
indiferentes à lava surda
rugindo sob a fina crosta
da boca de um vulcão
ou do olho de um furacão?

eternos narcisos
congelados em cinzas
ainda vidrados na imagem
que sedutora nos mira
de um espelho d'água
ou de um afresco de Pompéia?

Igor K Marques
15 de maio/2011

quarta-feira, 18 de maio de 2011

"em letra mordida / miúda / moída / entre dentes

em letra mordida

miúda

moída

entre dentes

limados em surdina

excreto blocos

quase cubos

paralelepípedos

de palavras

exumo fardos

contendo cacos

de remotas falas

imersas em pó de cal

e ossos petrificados

rescaldo de língua morta

de um povo extinto

ruínas de discursos

bençãos e orações

a um deus esquecido


  lanço à superfície

dejetos de monólogos

murmúrios abafados

linhas cruzadas

em surtos alternados

de amnésia

com flashes cristalinos

de memória

erodidos por ventos

chuvas

e guerras seculares

detritos surdos

do que já foi música






 Igor Marques

2003

quinta-feira, 5 de maio de 2011

"logo você que se expôs"


para joana cabral

logo você

que se expôs

miragem nua

na letra escavada

no sedimento

na semente

que seu corpo pressente

na palavra não dita

na incisão do instrumento

no recorte da letra

que irrompe bruta

na fresta

na entrelinha

da superfície

da rocha

uma fenda

uma gruta

logo você

que se fez ausente

aqui ressurge

miragem crua

em cordas de aço

na letra e no traço

na memória

de um corpo

que se insinua


igor k marques
julho/1999

quarta-feira, 4 de maio de 2011

"em que semitons você sussurra"



 em que semitons
você sussurra
os sons de hassell
you whisper
jon’s sounds
like
hassell’s poems
through electric
floating trumpet
songs

sobrevuelan
casi colean
rastejam
sobre savana noturna
barro (placas de)
mud (clusters of)
sobre pele negra
on black skin
on black drums


sobre el cuero
de los timbales
gold (layers of)
filigranas de aço
acero dulce
pó de bronze
em que tímpanos
repercutem
jon hassell’s
trumpet sounds?



igor k marques
23.11.03

domingo, 1 de maio de 2011


nos corredores do labirinto em ruínas
no breu dos seus subterrâneos
tropeço no rescaldo dos amuletos
sacerdote de um deus esquecido

cacos de espelho
crâneos de jade
vênus de barro
falos de pedra
esgares de gozo
resinas de um ódio espesso
escaravelho & carterpillar
lanças de bronze
fenda & fissura
chagas em imagens de gêsso
visceras da memória
de rituais banidos
inscritos no dorso
de um touro miúra

titubeio
hesito à beira mar
um minotauro
que não sabe nadar
rumino sem remorso
o primeiro dia de condenado
a um ostracismo exemplar

antes do mergulho
a cabeça aponta
metade
para o céu cerúleo
metade
para o ultramar
cambaleio
vou para o fundo
do mediterrâneo
errante em devaneio 
em morna calmaria
aspiro à sua palavra
metade canto
metade maresia


Igor Marques
04.08/1997
 01.05/2011


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